sábado, 11 de fevereiro de 2012

Somos dependentes

Depender de alguém é reconhecer que nossos braços não são tão fortes, que nosso conhecimento não é tão profundo e que precisamos dele para direcionar-nos por um caminho melhor. Quando dizemos que somos dependentes, estamos declarando nossa limitação, afirmando que há um momento ou ponto de nossa vida do qual não ultrapassamos, não porque não queremos, mas porque nos é impossível.


É difícil reconhecer uma dependência, pois isso implica a percepção de uma fraqueza, de alguma maneira. Nenhum de nós se sente bem na vulnerabilidade. Queremos e lutamos por adquirir confiança, força, convicção. E estas coisas não são conquistadas na fragilidade, pelo contrário, elas exigem determinação e esforço.

Quando Nietzche acusa o cristianismo de ser uma idéia do homem fraco, apesar de isso ter sido uma crítica, no fundo até que ele tem razão. Não por seus motivos, mas, ele tem razão. 

O cristianismo, desde o próprio Cristo que afirmava que nada fazia por si mesmo, mas pelo Pai que o havia enviado, ensina que o homem e sua força não são tão poderosos quanto lhes possa parecer. Apesar de algumas pessoas já terem demonstrado sinais de força reconhecidamente admiráveis, além de serem exceções, mesmo elas, em seu poder máximo, mal conseguiram modificar um pouco além de suas próprias circunstâncias.

Todos os homens fortes, poderosos, invejáveis morreram. Alguns até conseguiram influenciar outras pessoas. Mas, em si mesmos, não conseguiram nada além do que o destino comum. Ora, que força existe em alguém que não pode deter o seu fim? Que poder há em quem não decide o seu próprio destino?

Por isso, o primeiro passo no aprendizado da dependência de Deus é o reconhecimento de minha própria limitação. Porém, veja que esse reconhecimento não é uma atitude de humildade. Reconhecer-se fraco é uma constatação, não uma determinação própria. Por isso, quando digo que sou pequeno, não faço isso como um santo que se coloca entre as piores criaturas, mas como um viajante solitário que se perde em meio à vastidão de um lugar ermo.

Se me vejo fraco, se percebo que pouco posso mudar entre todas as coisas que me cercam, apenas me restam duas opções: o desespero ou a fé. Não há como manter-se indiferente. Se vejo minha pequenez, isso afetará meu espírito de tal forma que me restará somente um lamento profundo ou um grito de socorro.

Muitas pessoas optaram pelo lamento. Tantos pensadores e poetas verbalizaram suas dores nos gritos silenciosos da escrita, remoendo-se no desespero de reconhecer-se fraco, sem achar qualquer solução para isso. Aterrorizados pelo monstro do acaso, um animal feroz que dilacera suas vítimas, os arautos da penumbra choram à porta de seus próprios sepulcros, da mesma forma que Cristo chorou ao olhar o sepulcro de Lázaro. No entanto, o choro do Senhor fora apenas uma suspiro momentâneo, não sei se pela dor que o esperava, não sei se pelo que representava. Por outro lado, as lágrimas daqueles existencialistas são apenas a antecipação do coro infernal que durará a eternidade.

Restaria, como no caso há apenas as duas opções aventadas, para aqueles que não jazeram derrotados nas rochas do deserto da existência, somente a escolha melhor: o definitivo mergulho no ser divino, a fim de por Ele ser completado. Mas o homem, este ser tão supremo e tão minúsculo, à imitação daquele que deu início à rebelião celeste, tem a capacidade criativa apurada, e, na confrontação com a obviedade, ainda assim consegue burlá-la, criando rotas alternativas para os seus passos.

Vejo, em minha corrida diária, tantos homens e mulheres que, a despeito de terem verificado suas inferioridades, mesmo tendo observado suas impossibilidades, não se colocaram na trilha da divindade. Pelo contrário, como que se revoltando contra o imponderável, agora que enxergam suas fraquezas é o momento que mais declaram sua independência e força. Sabem que não podem alterar muitas coisas, percebem que seu poder alcança quase apenas o tamanho de seus braços, e, ainda assim, repetem para si mesmos: Não sou escravo de ninguém! São como meninos debatendo-se ante um pai, ou um louco diante de seu médico. Resta-lhes somente a revolta do animal encurralado, que ataca, não por domínio, mas por medo. 

Nessa revolta esquizofrênica do homem, o absurdo se torna aceitável, o improvável, possível e a derrota um sucesso. Dizem para si mesmos: Sou o rei, o senhor, o dominador das circunstâncias. E quantas vezes não se ouve palavreados similares nos manicômios existentes em todo lugar? Aos quatro cantos reverberam seus ideais, investem em seus sonhos, lutam por suas utopias. E o fim de todos eles é a morte...

Eu não quero ser como um louco. Quero enxergar as coisas como elas realmente são. Por isso, quando afirmo que a busca de verdade deve ser o objetivo final do homem, isso não é uma palavreado de filósofo, nem uma pregação pastoral. É nada menos que um grito por sobrevivência. Somente a verdade tem o poder de colocar-nos no caminho certo. Se faço aliança com ela, me liberto do perigo da mentira, que é mãe da loucura. Quando tenho um pacto com a verdade, não é o convencimento que procuro, mas a vista. Quero ver o que é, não o que me persuade. Se agarrado à verdade, só me resta afirmar que necessito de Deus para transportar-me até as alturas das razões eternas e que sem Ele o que há é choro e ranger de dentes.

Portanto, minha dependência de Deus não é a obediência a uma prescrição moral, nem mesmo uma determinação decidida, mas, simplesmente uma constatação. Todos somos dependentes Dele, uns apenas aceitam isso e tentam tirar o melhor desse estado, outros, porém, se debatem, como insanos, mentindo para si mesmos e dizendo: O senhor aqui sou eu!