sábado, 2 de julho de 2011

Um interlúdio inconveniente

A segunda vinda de Cristo é um fato. No entanto, não é por ser um fato que ela não carregue seus simbolismos. Esses simbolismos, porém, devem ser bem entendidos, a fim de que não seja desrvituado o conceito correto da parusia.

Há alguns dias, circulou na internet um video de uma aula do pastor Ricardo Gondim, na qual ele defendia a volta de Cristo mais como uma utopia do que um fato. Seria ela uma referência, a fim de movimentar o homem à transformação social, à restauração comunitária, para fazer a história.

É óbvio que o vídeo foi motivo de polêmica, afinal esse heterodoxo entendimento vai de encontro à compreensão tradicional sobre o advento do Messias. Por esta, a segunda vinda de Cristo é algo que ocorrerá de fato, o que faz com que a Igreja exclame: Maranata! Vem Jesus!

Acontece que, apesar das críticas contra Gondim, poucos são aqueles que se esforçam para compreender os motivos porque parte dos cristãos se vêem atraídos por uma doutrina que torna algo que sempre foi essencial, principalmente para os reformados protestantes, em apenas uma referência simbólica.

Em primeiro lugar, é evidente que tanto Gondim, como outros pastores e teólogos deste país, são profundamente moldados pelo marxismo. Inclusive essa ideia sobre o advento de Cristo vem de um teólogo marxista chamado Jurgen Moltmann. No entanto, esse é apenas o aspecto final da questão.

O que acontece é que, para certos homens (e aqui é que se encontra a razão principal para eles não enxergarem a volta de Jesus como um fato real), entender esse retorno de Cristo como uma espera, torna a conversão um interlúdio tedioso. Para eles, aguardar a volta do Senhor é uma atitude conflitante com a pretensa responsabilidade de transformar o mundo, restaurar a sociedade, de trazer um reino de paz e fraternidade pela força do braço humano e da conscientização social. Por outro lado, ter o advento como uma utopia não impede a mobilização, a construção de uma nova sociedade e a revolução. O marxismo entra aí apenas como a doutrina materialista fundamental, não como a razão psicológica principal. Esta reside no desejo de tornar aquele compatível com o cristianismo, e isso apenas é possível se a Igreja agir, não esperar.

O que Ricardo Gondim e outros não compreendem é que a bendita esperança bíblica no retorno de Cristo não é uma fuga, nem mesmo uma letargia. O anseio pela volta do Senhor é o clamor natural de uma criatura que teve sua natureza transformada e que, por isso, se identifica mais com o céu do que com a terra. Desde que o cristão se converte, deixa de ser um homem carnal (psíquico) e passa a possuir uma natureza espiritual. Essa natureza é divina, e se identifica com Deus. Essa natureza caminha, a partir de então, em direção à eternidade, enquanto a velha natureza, ainda não destruída por completo, segue seu curso de deterioração. Por isso, possuindo um desejo óbvio pelo que o identifica, o ser espiritual clama pela vinda de Cristo, que é o anunciador e consumador definitivo da transposição de uma vida ainda sujeita ao sensorial para uma plenamente espiritual. Isso não é fuga, isso não é conformismo, nem mesmo resignação. É somente a irresistível natureza manifestando o desejo pelo encontro com aquilo que a identifica: uma vida glorificada ao lado de Deus.

O que parecia tedioso, então, passa, na verdade, a ser um incômodo constante. Esse incômodo, daí, passa a ser um fomentador de uma aproximação cada vez maior entre o homem e Deus. E claro que, de toda forma, isso acaba por ter consequências práticas na vida individual e coletiva. Essas práticas consequentes não são, porém, o espetáculo da transformação do mundo, mas da transformação individual que afeta o mundo. O indivíduo sempre será aquele que sente realmente essa mudança. A sociedade, composta, em sua maioria, por homens carnais, apenas percebe respingos dessas alterações pessoais.

O que há de letárgico nisso? Absolutamente nada! Pelo contrário, o que ocorre é uma inquietação constante, um palpitar insistente, que faz com que o homem comece a viver aqui reflexos, ainda que frágeis, do que viverá depois. Sua alma, seu coração, sua mente e até seu corpo gemem, enfim, toda criação geme e está juntamente com dores de parto até agora.

Para o homem espiritual, a bendita esperança é um incômodo, mas um positivo incômodo, de quem não vê a hora de encontrar-se com o que se assemelha a ele. Para os carnais, ela é nada mais que algo inoportuno: um interlúdio inconveniente.