sábado, 30 de abril de 2011

O sapinho surdo*

Todas as pessoas são convocadas a participar da corrida da vida, que promete grandes prêmios para aqueles que chegarem ao objetivo proposto. No entanto, quantos se dispõem a correr? A grande maioria se contenta em manter-se na naturalidade básica de seu ser, como meros observadores da corrida que os outros empreendem. 


Em princípio, os poucos que são corredores rumam em direção ao prêmio, enquanto a maioria segue apenas observando e torcendo. Estes são meros espectadores, e espectadores o são por não acreditarem poder ser os protagonistas. Todos foram chamados para a corrida, mas somente uns poucos aceitam o desafio. A multidão, por ser formada por quem não creu em suas potencialidades, não pode compreender a possibilidade alheia. Vê a corrida e até torce pelos participantes, mas não vislumbra a possibilidade de sucesso de nenhum deles.

A multidão, então, por não poder ver além do que está proposto, além do que já foi dado (pela realidade visível, pela ciência e pelos teóricos) não possui capacidade para enxergar fora de seu de seu universo contemplativo. As potencialidades, que residem um passo adiante do ato, estão invisíveis para ela e são, por isso, inexistentes. Ao ver as pessoas em seus esforços, que para ela são trabalhos inúteis, a multidão chega a compadecer-se. Enquanto ela se enxerga no conforto da plateia, sente pena daqueles que correm sem chegar, conforme sua própria maneira de ver as coisas, em lugar nenhum.

E quem se contenta em apenas ser um mero espectador? Mesmo sem esforço, sem dedicação, sem objetivos, as pessoas acreditam que devem emitir suas opiniões, dar seus conselhos e tentar influenciar os outros, ainda que esses outros sejam os verdadeiros protagonistas da história. Sua vozes, não por serem importantes, mas por serem muitas, começam a ecoar com grande alarido. E a multidão começa a mostrar o seu poder. Como indivíduos são inócuos, mas como grupo adquirem uma força tremenda. Como a gravidade, puxam para o chão todas as coisas.

Ora, se alguém não pode enxergar as possibilidades, se seu campo de visão não ultrapassa o trivial da realidade visível e imediata, sua tendência será sempre, ao invés de tentar caminhar para fora de sua caverna platônica, acreditar que o seu mundo de sombras é todo o mundo e tentar ultrapassá-lo é loucura.

Por isso, para quem se mantém na corrida, apenas a fortaleza moral, fundamentada em sua consciência individual, que está muito além das convenções e acordos sociais, pode mantê-lo firme. 

A sociedade é composta de multidão e esta ecoa a voz das impossibilidades. As potências não podem ser vistas nela e nem por ela. As potências só podem ser vistas no indivíduo, pois é nele que reside a verdadeira capacidade. O que é a sociedade senão uma convenção, uma abstração. Quem age são os homens, os indivíduos. Por isso, é nele que encontramos as potências a serem exploradas e desenvolvidas, o que a multidão jamais poderá compreender.

Quanto aos que seguem na corrida, é bom fortalecer-se como indivíduo, ter seus olhos abertos para o alvo, manter acesa a ideia de suas potencialidades e ter consciência das limitações da multidão, a fim de por ela não ser influenciado. 

Ou, talvez, melhor seja ser surdo mesmo...




* trabalho de pós graduação baseado na história de 3 sapinhos que participavam de uma corrida, enquanto a multidão dizia que eles não poderiam atingir o objetivo final. Dos 3 sapinhos, apenas um alcançou o final, e isso porque era surdo.