segunda-feira, 24 de maio de 2010

A lembrança da dor

Sabe aquele momento quando chega uma notícia que parece fazer nosso mundo cair? Aquele instante quando as nuvens se fecham, o peito aperta e a única vontade que se tem é a de chorar? Sabe quando há a sensação de ser a pessoa mais impotente do mundo, incapaz de mover um milímetro sequer da vida, e tem a impressão de ser uma mera vítima de um destino insensível? Sabe quando a única reação que resta é sentar na beira da cama e olhar para o nada, digerindo a incapacidade de transformar as coisas que estão ao redor? Por incrível que pareça, esse momento talvez seja a maior bênção que podemos ter, algo que pode ser  uma boa companhia até o fim da nossa existência.

Há um segredo que pode nos tornar mais humildes, mais compreensíveis, menos apegados às recompensas deste mundo e mais livres para desfrutar da verdade em sua totalidade. Este mesmo segredo permite nos sentirmos mais dependentes de Deus, menos afeiçoados de nós mesmos, mais atentos ao problema do próximo, mais sensíveis ao verdadeiro sentido da vida. 

Bem, o segredo nem é tão secreto assim, porém qual de nós costuma praticá-lo? O segredo é, nos dias que tudo parecer bem, quando o mundo parecer conspirar em nosso favor, quando nos sentirmos a pessoa mais bem-sucedida, mais admirada e mais amada do mundo, nos lembrarmos do sentimento próprio daqueles dias maus, cultivando, de alguma forma, aquele aperto no peito, aquele vazio no coração e aquele medo proveniente da impotência.

Longe de pregar uma teologia da derrota, o que estou tentando dizer é que apenas os momentos difíceis nos fazem enxergar nossa alma pura, nosso coração aberto, nosso interior realmente desarmado. Apenas a dor faz-nos conhecermos a nós mesmos. Somente ela nos faz experimentar uma existência mais completa, paradoxo da vida. Esvaziar-se de si mesmo talvez seja a única forma de vivenciar o que a vida oferece de verdade. 

Em síntese, na nossa memória reside o segredo para vivermos melhor e mais profundamente, conhecendo mais de nós mesmos, principalmente o quanto limitados nós somos.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Réplica em defesa (desnecessária) de Norma Braga

A revista Ultimato publicou, recentemente, um artigo de Norma Braga, no qual ela expõe razões devidamente explicadas para um cristão não ser um militante de esquerda. O texto é simples, direto e objetivo, lançando mão de argumentos racionais, fundamentados em verdades históricas, para demonstrar a incompatibilidade entre o cristianismo e as idéias de esquerda.

Na mesma revista, fora publicado, então, um outro artigo, em forma de contestação, no qual Joanildo Burity explica porque ser de esquerda seria compatível com ser cristão. Neste artigo, diferente de Norma, ele não se atém apenas aos pontos práticos do problema, mas invade o âmbito pessoal da articulista. Leiam ambos os artigos e percebam a diferença de enfoque. Enquanto ela sé mantém estritamente no âmbito da análise ideológica e política da esquerda em geral, Joanildo atravessa a linha dessa argumentação e tenta analisar a própria pessoa da Norma.

Bom, até aqui, nenhuma novidade, afinal essa sempre foi a estratégia dos debatedores de esquerda, estratégia que permanece, seja por convicção seja por puro cacoete ideológico. Por isso, não porque acho necessário, afinal a própria Norma deve responder àquele artigo da sua maneira irrepreensível de sempre, quero muito expor algumas considerações que entendo importantes e que, creio, ajudarão a clarear, um pouco, uma suposta confusão de idéias que possa aparecer na mente de leitores menos atentos.

O texto de Burity inicia descrevendo o que seria o que ele chama de teologias da desigualdade natural, segundo as quais as pessoas estariam presas, por destino indelével, a uma casta social, econômica ou política. Por essas teologias, as pessoas são, conforme o próprio nome afirma, desiguais por natureza e nada podem fazer para mudar isso.  

O problema é que o articulista inventa uma teologia que não existe, e pior, além de criar uma teoria, ainda diz que foram os outros que a inventaram. São duas mentiras em uma só idéia - um erro verdadeiramente frutífero.

Não há, na história do pensamento cristão, qualquer corrente teológica de expressão significativa que defenda essa tal de teologia da desigualdade natural, nos termos trazidos por Burity. O que ele afirma parece mais um sistema de castas hindu, e ainda assim somos obrigados a informar que mesmo no hinduísmo o que se vê de mais radical na idéía de castas não é uma doutrina muito fiel à original. No cristianismo, porém, não há nada de parecido. Mesmo a predestinação agostiniana ou calvinista não se atrevem a cerrar os homens em celas econômicas ou sociais. Do que estaria falando, então, o senhor Joanildo?

Feito aquele preâmbulo, demarcada, ainda que falsamente, a categoria teológica da contestada, o próprio articulista preparou o terreno fértil que fará ele tirar suas conclusões pretensamente lógicas. É óbvio que a lógica é apenas formal, pois não condizente em nada com a realidade, mas, apenas, com as categorias formatadas pelo próprio Burity.

Em uma seqüência desastrada, seu artigo passa a defender a profunda igualdade natural dos homens, afirmando que toda desigualdade é fruto apenas do resultado histórico, da ação das instituições e da, pasmem, ação humana. O que ele não explica é por que, se todos os homens são naturalmente iguais, houve, no processo histórico, a implantação de tantas diferenças? Se todos são absolutamente iguais, o são na bondade, na maldade, no trabalho, no amor. Se houve, no decorrer dos tempos, tantas diferenças, em algum momento elas ocorreram por causa, evidentemente, da desigualdade. Concluo, portanto, que, apesar de serem todos naturalmente iguais, os homens agiram de maneira muito desigual, evidenciando que, na verdade, são desiguais, apesar de serem iguais. Apenas a lógica burityana poderia chegar a essa conclusão.

A desigualdade humana não é uma teoria, menos uma teologia, é um fato. As pessoas são diferentes e ponto. Não é necessário ter mais de 2 anos de idade para perceber isso. Quanto à hierarquia, ela existe, não por natureza, mas por conveniência. Porém, ela, além de ser necessária, é, no mínimo, reconhecida pela Bíblia. No entanto, em seu texto, a Norma jamais defendeu qualquer hierarquia natural e imóvel, aliás sequer tocou no assunto. Nem sobre igualdade e desigualdade ela escreveu. O que fez Joanildo, então? Impôs sobre ela uma marca e sobre essa marca ele fez a sua contestação. Parece que sequer leu o texto, porém, rebateu, não o que ela escreveu, mas o que ele acredita que ela representa.

Há uma altivez nos homens de esquerda: crêem que apenas eles lutam por justiça. São tão entorpecidos por sua ideologia, que não vêem salvação fora de Marx, Gramsci e do PC. Para eles, não ser de esquerda é não querer o bem, e só o socialismo pode efetivamente criar igualdade. Determinam que, a despeito de toda evidência histórica, quem denuncia as atrocidades cometidas pela esquerda no mundo está, na verdade, querendo perpetuar a exploração e a injustiça. Acontece que esses são estereótipos úteis para suas finalidades, uma delas, ter o socialismo como o único meio de salvação para a humanidade. A conclusão lógica do texto de Burity é que Norma se encaixa nesse perfil elitista, que se delicia da desigualdade humana e a promove até. E vai além, perdendo até um pouco de seu cavalheirismo diante de uma dama - algo absolutamente normal, afinal, para agir assim é necessário que se enxergue alguma diferença no sexo oposto, o que é uma afronta à teoria da igualdade natural - insinuando que a articulista apenas fala, mas não faz nada. Acredito que ele, como eu, não conheça nada da vida privada da Norma para fazer essa afirmação tão categórica, mas, só para comparar, o que seu ídolo Marx fez, senão apenas tecer teorias? E o sr. Joanildo, faz o quê? De qualquer forma, esse culto da ação como a única forma de combate a injustiça é tão besta que só pessoas infantilizadas por uma doutrina estúpida podem se deixar levar por ele.

A cereja do bolo, porém, está na citação que o senhor Joanildo faz de Marx, Engels e Gramsci, como conscientes das raízes religiosas do socialismo. Não, senhor Joanildo, os homens que o senhor citou não tinham consciência dessas raízes, a não ser que o senhor entenda como religião as idéias utópicas de Morus, Campanella e Fourier. Tê-las assim seria um rebaixamento vil do conceito de religião. Pelo contrário, aqueles homens viam a religião, e em especial o cristianismo, como um inimigo de suas ideologias e acreditavam (em Gramsci isso está explícito), que ele deveria ser extinto, pois, por incrível que pareça, era, esse mesmo cristianismo, uma das barreiras ao implemento do socialismo.

Insistir na defesa do socialismo de mãos dadas com o cristianismo é rejeitar a história, forçando uma comunhão que apenas pode existir na cabeça oca de certos cristãos vermelhos, não de vergonha, mas ideologicamente. Pessoas que acreditam numa teoria socialista eu até aguento, mas quando fingem que na prática essas teorias não causaram nenhum mal à humanidade e, pior, como faz o senhor Burity, ainda exaltam seus ícones, reprovar o que falam é pouco. Mandar calar a boca e exigir respeito à nossa fé cristã seria o mínimo.  

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O que é o amor cristão

O amor cristão é indefinível. As palavras flutuam no pensamento de quem tenta descrevê-lo, porém não descem à boca. É tentar falar o que sabemos, mas não podemos expressar. Não sei se isso se dá pela indefinição intrínseca do amor, ou por ser ele, na verdade, um conglomerado de outros sentimentos e virtudes, não possuindo, assim, uma característica específica. Mas uma coisa me parece certa: quando se fala de amor bíblico, invariavelmente essa noção vem carregada da idéia de sinceridade e entrega. Ora, não existe amor onde ambas estão ausentes, já que a sinceridade é o fundamento da realidade e suporta toda e qualquer ação virtuosa e a entrega é o que dá valor ao ato, pois onde não está o coração e onde não está alma há apenas o vácuo existencial. Nada vale à pena se não for totalmente doado, sem reservas, sem restrições. Leia 1 Coríntios 13 com esse entendimento e experimente uma noção real do verdadeiro amor cristão. Essa compreensão parece explicar a entrega do próprio senhor Jesus, o ato do bom samaritano, os dois primeiros mandamentos e mesmo o próprio amor divino. Amar, enfim, com a astúcia talvez imprudente de tentar definir o ato, é doar-se completa e sinceramente.