quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Desabrigado

"Pois quem quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a vida por minha causa e pelo evangelho, a salvará" Mc 8.35

Na complexidade da vida, os caminhos mais perfeitos nem sempre são os mais seguros. Há uma boa dose de risco em se colocar sob a Verdade. No entanto, o perigo é apenas para a tua parte mortal, sendo que a outra parte, a imortal, encontra ali seu porto seguro.

Tu que vives, sentes, experimentas - que és o sujeito ativo e o passivo das experiências, tu, sim, te achas em perigo quando te dispõe a aceitar a realidade, mais ainda, a buscá-la como uma missão. Teu chão, a partir daí, escapa. Tuas fortalezas, muros e torres começam a ruir um a um. Teu peito, agora, está aberto e teu corpo a mercê daquele que até aqui tu vias como um inimigo.

Antes, te refugiavas da Verdade. Eram-te mais seguros os sonhos. Ainda que acordado, dirigias teus pensamentos para o dispensável, o irrelevante. Dessa maneira, te sentias confortavelmente protegido, como se o teu inimigo, a Verdade, não quisesse te incomodar, enquanto permanecesses alheio a ele.

Tua segurança, porém, era tão frágil, que só podia ser sustentada com imensidões de mentiras. Umas sobre as outras, criando camadas e mais camadas de fantasias, com o único intuito de te manter longe daquela que insistia em te incomodar - a Verdade.

O mais estranho, é que teu castelo ruiu no primeiro vento. Não era sequer um vendaval, mas apenas um soprar mais forte da realidade. Então, te viste desabrigado. Olhavas para o lado e não vias mais as paredes de tua proteção. Sentias apenas o frio da imensidão e o som da multidão. O medo tomou conta de ti e, como uma criança desamparada, choraste copiosamente.

Sem abrigo, sem proteção, apenas te restou enfrentar a imensidão que se apresentava. Naquele instante, portanto, o mundo pareceu se reconstruir. Tu viste que tua segurança era uma quimera. Teu castelo estava construido nos ares, com paredes de algodão. Teu muros eram de papel. Tudo era falso, tudo era mentira. Viste, então, que não havia quem te defendesse, és um solitário, que "o homem sai nu do ventre de sua mãe, e como vem, assim vai" Ec. 5.15.

Para o existenciamente desabrigado há apenas uma opção: aceitar a imensidão e nela mergulhar. Milagrosamente, restaura-se o homem neste instante. Nesta integração tu descobres que, sendo ainda tu mesmo, o que há de fora não te é totalmente estranho. Há como que uma natureza comum, que te faz, de alguma maneira, semelhante à realidade. Entendes portanto que teus antigos medos eram-te inúteis pois, com o pretexto de te alertarem do perigo, apenas te escondiam a Verdade. Por isso, "Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio" 2Tm 1.7.

Antes, tu não te conhecias, já que te vias apenas dentro de um abrigo de ilusão. Todas as portas, paredes e batentes de teu castelo eram de material falso, criados apenas pela tua fantasia. Não tinhas referências e acreditavas que teu mundo era teu par. Mas vê quão tolo eras! Querendo te guardar, acabava por perder-te. Tentando salvar tua vida, quase a perdeste.

Lembra-te sempre: apenas os desabrigados, como os náufragos*, podem encontrar a Verdade.

Fabio Blanco

* "A Rebeliào das Massas" de José Ortega e Gasset