quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Jó - Introdução III

A moderna religião, seguindo a tendência do pensamento contemporâneo, tem simplificado demais sua concepção de existência e de relação homem-Deus e homem-mundo. A complexidade é rejeitada como algo incompatível com a vida cristã abençoada. O sofrimento é visto como fruto do pecado ou correção divina.

Diante disso, para quem assim enxerga, o livro de Jó é uma verdadeira pedra de tropeço. Quantos já não se enganaram ao tentar explicar a razão do sofrimento. E erraram já de princípio, ao tentar justificá-lo. Mesmo com o exemplo dos amigos de Jó, muitos teólogos e líderes cristãos foram seduzidos pelo desejo de explicar os motivos para o que aconteceu. A despeito de estar já no próprio texto evidente que aqueles amigos do personagem erraram fazendo isso, esses cristãos conseguiram se manter cegos quanto à lição de Deus e mergulharam em um buraco já bem sinalizado.

Isso apenas acontece porque a idéia da narrativa bíblica em Jó é demasiadamente contrastante com nossa experiência religiosa hodierna. Para esta, religião é solução; é retirar-se da incerteza a fim de viver a verdade; é encontrar realmente uma resposta. Porém, mesmo que essas definições estejam corretas em seus termos, elas apenas podem assumir um significado real se passarem pelo crivo da experiência real. No nível do discurso não há qualquer objeção, porém, na prática da experiência existencial as coisas precisam ser mais bem definidas.

Esta é apenas uma Introdução, portanto, não vou destrinchar todas as nuances da relação do leitor com o livro. Apenas quero dizer que sua leitura é maravilhosa exatamente por causa desses pontos de tensão e uma análise correta, humana e espiritual daquelas linhas pode conduzir o leitor a uma visão muito mais ampla da vida e do ser.

A leitura cuidadosa do livro possibilita uma compreensão profunda da complexidade da existência. Também permite uma ampliação responsável da própria idéia de religião. E, ainda mais, autoriza um implemento impressionante da idéia mesma de conhecimento. Mas tudo isto não aparece ao leitor apressado ou desinteressado. Apenas vai atingir aquele que se permite guiar pela narrativa, se deixa conduzir pela sequência da história e argumentos e mergulha de cabeça no mar existencial que está menos nas frases e nas idéias e mais nas razões psicológicas envolvidas.

E se há alguns que pretenderam e pretendem negar a inspiração divina do livro de Jó, ao menos para mim, a maior prova de que foi o próprio Deus quem, por meio de algum seu servo, escreveu aquelas linhas, é quão profundamente a narração pôde penetrar na alma e na mente daqueles personagens, além de não com menos força penetrar em nossa própria alma para alcançar os mais recônditos temores que existem dentro de nós.

Se a obra fosse um mero romance, diríamos que o autor conseguiu milagrosamente enxergar, como em uma máquina de raio-x, o que há de mais escondido dentro da alma humana. Porém, como aquela é uma obra de Deus, não há surpresa nisso, apenas mais um motivo de adoração do Senhor do universo.

Para mim, isso basta!