sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Jó - Introdução II

Não há nada mais humano do que o sofrimento. Nele reconhecemos quem exatamente somos: nossa pequenez, nossa fragilidade, nossos medos e nossas razões de existência. De alguma forma, o livro de Jó nos remete a tudo isso e, apesar de não ser o nosso sofrimento, não sei se pela perfeição literária ou pela profundidade do tema, ele consegue fazer com que nos envolvamos realmente em sua história.

Há, ainda, um choque mais profundo. O conteúdo existencial da obra é altamente contrastante com a nossa moderna experiência religiosa. Em uma época na qual buscamos respostas prontas, na qual a religião é vista quase somente como o elixir pacificador da alma humana, na qual o místico é simplesmente a experiência do desconhecido e o próprio cristianismo deixa de ser um corpo mais ou menos estruturado de doutrinas, toda a sequência do livro parece destoar da harmonia segura da música religiosa moderna.

Quem enxerga a religião como um corpo ritualístico que responde até as mais comezinhas indagações, sente um desconforto abissal ao ler o livro de Jó. Praticamente toda a narrativa parece induzir à negação da fé. Pelo menos, conduzir ao cinismo da ausência da autonomia humana, sob o jogo das forças superiores do universo; sob o jugo inexorável da vontade de Deus.

O real contraste se dá porque o cristão moderno espera que sua fé o previna do imponderável. Se antes, o fiel, ainda pecador, se sentia à deriva em um mundo que o conduzia para o abismo, em Cristo ele crê, sinceramente, que todas as coisas estão resolvidas e que, sendo já um vencedor, nada mais poderia o abalar. Sua segurança não é apenas da salvação, mas de toda uma teia de proteção providenciada por Deus a fim de não permitir que os males desta vida o atinjam.

Ao ler o livro, no entanto, todos os fantasmas surgem de uma vez. Ora, se aquilo tudo está escrito na Bíblia, será que eu posso sofrer das mesmas mazelas que o personagem principal? Neste momento, o leitor tem duas opções: crê que tudo aquilo não se aplica a ninguém mais, e sim apenas a Jó, ou perde definitivamente toda a segurança. No entanto, é aí que se inicia a grande viagem na experiência do personagem.

Continua...