segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Jó - Introdução I

Nós, leitores, ao passearmos pelas linhas do livro de Jó, somos abarcados por uma insegurança indescritível. E quanto mais compenetrada for nossa leitura, maior será este sentimento. Há, sim, um maremoto de emoções que deixam estupefatos aqueles que se atrevem a mergulhar no mar de dúvidas e falsas certezas que compõem boa parte dessa obra. E diante disso não há como evitarmos os questionamentos sobre as razões do sofrimento, principalmente de alguém tão bom como o personagem central.

Não creio, sinceramente, que esta seja a experiência do leitor moderno apenas. Acredito que desde a primeira pessoa que leu aquelas linhas houve, em geral, a erupção dos mesmos sentimentos. Aliás, podemos ir além, e dizer que na própria história já há, entre seus personagens humanos, um amálgama de inseguranças e certezas que simplesmente espirram na alma do leitor, como em uma projeção do livro para o coração do homem.

Porém, se engana quem acredita que a emoção da obra está na profundidade da narrativa, na beleza poética ou na trágica história do personagem principal. Nada disso! Aquele livro nos toca profundamente simplesmente porque amamos nossas próprias vidas. Nele, vemos a nós mesmos ou, ao menos, a possibilidade trágica que nos rodeia. O sofrimento de Jó nos toca porque, de alguma maneira, sentimos nossa própria vulnerabilidade diante do imponderável. Independente de procurarmos algum sentido naquilo tudo, ainda que houvesse algum, seria algo que estaria além de nosso poder de intromissão, o que nos deixa, de qualquer jeito, sujeitos a forças inexoráveis. Quem chora por Jó, chora menos por ele e mais por si mesmo.

De qualquer maneira, estamos diante de uma riqueza literária estupenda. Porém, mais que isso, há um tesouro existencial, psicológico e espiritual impressionante em suas páginas. A complexidade mental dos diálogos, o caminho misterioso dos motivos do sofrimento do personagem, além do desfecho deslumbrante e poético, tornam a obra magnificamente impactante.

Apesar de parecer paradoxal, seu material é altamente perturbador, ao mesmo tempo que é reconfortante. Ele consegue nos deixar desconfortáveis todo o tempo, em nosso acompanhamento do desenrolar dos fatos e argumentos sem conseguirmos tomar parte decisiva de nenhum deles. Todas as falas parecem corretas, mas inconstantes; lógicas, mas incompletas; justas, mas insuficientes. Vacilamos durante quase toda a leitura e nossa respiração parece até ficar suspensa por alguns momentos. No entanto, o paradoxal conforto acontece não apenas no desfecho da história, com uma das declarações mais belas de toda a Bíblia, mas existe no desenvolvimento de todo o enredo mesmo. Isso porque a saga de Jó nos torna mais humanos, nos faz ver um pouco do que somos e de nossa vida. Apesar do sofrimento, e até por causa dele, sentimos a dor do personagem e suas dúvidas se tornam também as nossas; seus desabafos parecem até sair de nossa boca.

Continua...