sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sinceridade

A sinceridade de alguém pode ser medida da seguinte forma: em cima do que a pessoa disser, pergunte – Como funciona isso, na prática? Invariavelmente, a resposta será um silêncio embaraçado ou uma seqüência de palavras desconexas que nada elucidarão o problema.



Veja bem, eu não sou um homem de práxis. Pelo contrário, tenho a tendência de divagar em contemplações aéreas sem fim. Porém, não é sobre isso que estou me referindo. Quero dizer da dissociação, muito comum, que existe entre a idéia e o fato concreto nas palavras expressadas pelas pessoas.

Estamos muito mal acostumados a lançar idéias que, quando postas à prova da realidade, não subsistem um segundo sequer. Nos enchemos de opiniões, chavões e frases feitas que não podem sobreviver diante da contestação mais tosca.

Isso é terrível, pois acabamos vivendo num mundo irreal, de fantasias sem fim, crendo que estamos seguros num porto de pensamentos corretos, quando vivemos à deriva num oceano de palavras sem qualquer relação com a vida real.

Além de tudo, é muito perigoso, pois é a causa de muita hipocrisia e dubiedade. Enquanto estamos em meio aos pares, que professam a mesma fé, que seguem um código de condutas, nos referimos às regras deste código com segurança e certeza. Porém, afastados do grupo, por aquelas certezas não terem consistência real, acabamos por viver uma vida paralela, com atitudes confrontantes, que negam exatamente aquilo que defendemos como justo.

E essas coisas não ocorrem por uma maldade intrínseca, por uma hipocrisia viciosa, mas, normalmente, pela insinceridade na formulação das idéias. Principalmente, pela pressa de concebê-las e pelo desejo de aceitação e localização em um grupo.

O problema reside no fato de que tais idéias costumam ser muito bonitas e reconfortantes. A segurança, a paz, o amor, a alegria, a provisão, a fé, entre outras, são conceitos que sustentam a nossa vida e a nossa esperança. Acontece que, e isso é o mais importante, quando essas idéias colidem com a experiência o resultado pode ser apenas um dos dois: frustração ou alienação.

Eu já falei sobre isso no meu artigo Esquizofrenia Espiritual, mas os exemplos se multiplicam e a necessidade de falar outra vez sobre o assunto, ao menos para mim, urge.

Solução? Sinceridade!

Quando perdemos o medo da rejeição, quando enfrentamos a realidade como ela é, quando aceitamos os problemas, quando percebemos que nem tudo são flores no caminho, quando enxergamos que a beleza da vida reside exatamente aí, nessa oposição constante entre felicidade e tristeza, alegria e sofrimento, dor e prazer etc., podemos deixar nossas idéias serem absorvidas pela realidade. Aliás, Agostinho expressou bem isso ao afirmar que "A beleza do universo resulta de eloquente oposição, não de palavras, mas de coisas".

Essa absorção, no entanto, não é a resignação diante do peso do real. Nem a perda dos mais elevados pensamentos. Menos ainda, o rebaixamento da espiritualidade, o que seria o mais grosso materialismo. A absorção é a substituição da mania de construir pensamentos irreais, dissociados da vida, pela compreensão da realidade para, daí, sim, partir para a formulação dos conceitos.

Não é empirismo, nem idealismo. Não é materialismo, nem espiritualismo. Não é também o conflito prática versus contemplação. Não, nada disso. Todos nós temos um pouco de todas essas coisas. Eu me refiro à verdade, à busca de seu significado. E isso apenas pode ser alcançado com sinceridade, sem dúvida.

Ver a realidade como ela se mostra e interpretá-la honestamente é o exercício do homem sincero.