sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A Verdade Dói e Cura

Há apenas uma testemunha de meus próprios atos: a minha consciência. Ela presencia não apenas o que exteriormente aparece, mas, principalmente, as intenções. Ainda que eu engane o mundo, jamais poderei enganar a minha própria consciência.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Esquizofrenia espiritual


Apenas aqueles que encaram a realidade como ela é, com suas feições, muitas vezes, ameaçadoras, podem, de verdade, saber o que é a vida e como vivê-la. Somente aqueles que não procuram desculpas para suas mazelas, mas são maduros o bastante para compreenderem que nem tudo são flores, podem saber como continuar, sem o risco de se perderem no meio do caminho.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

O Valor da Intuição

Entre os homens há grande admiração àqueles que se expressam com eloqüência, destilando verborragia e distribuindo opiniões. Os que falam se admiram, tendo a si próprios como verdadeiros mercúrios da sabedoria. Mas também os outros os admiram, como semideuses, como iniciados em uma arte inacessível a maioria dos mortais, a qual os eleva a um patamar superior e de poder.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Mais que duas vidas

(Homenagem pelas 'Bodas de Prata" do Pastor Fernão e da Eliane)

Jó afirmou com sabedoria “Vim nu para este mundo e sairei dele, da mesma forma: nu”. Quando somos dados à luz nada temos: roupas, bens, amigos, esposa. Quando a luz se apaga, seguimos, da mesma forma, sem nada: sem roupas, sem bens, sem amigos, sem esposa. E quem pode negar essa verdade? Podemos dizer que vimos só, e vamos só. Existe uma solidão intrínseca em cada pessoa, atestada pela verdade da própria natureza do nascimento e da morte. Mas, entre esses dois trágicos eventos há um período no qual esse caráter solitário é arrefecido. Há um lapso temporal que é preenchido pela união de um homem e de uma mulher, os quais constituem entre si um núcleo que será a fonte de novas solidões que serão geradas.

O próprio Deus afirmou que não seria bom para o homem permanecer só. O criador perfeito viu que sua criação ainda não estava completa. Se não era bom o homem estar só, e se Deus apenas pode criar aquilo que é bom, enquanto não criasse a mulher, a criação de Deus não estaria perfeita. Portanto, a mulher, pode-se dizer, foi tão necessária à criação como o homem. Apenas cronologicamente criada posteriormente a ele.

A unidade que se forma dessa união é algo bem maior do que a soma de duas vidas. Uma cooperação é a junção de esforços em torno de um objetivo comum. Porém, a cooperação não pressupõe nada mais do que individualidades que se ajudam mutuamente. Na união conjugal há algo ainda maior. Não é apenas cooperação, não é somente acordo. Vemos, na verdade, ocorrer uma fusão. São duas substâncias que, a despeito de manterem suas aparências externas inalteradas, exceto pelo devir natural, acabam por se confundirem nos aspectos mais interiores de suas existências. Há uma verdadeira confusão! E não se prendam ao uso popular desse termo. Confusão é a mistura de tal monta que torna impossível identificar as unidades separadamente.

Quantas vezes não ouvimos o homem dizer algo e depois alguém comentar: “Isso não é idéia dele, isso é coisa da mulher dele!”. Ou então: “Ela fica falando igualzinho ao marido dela”. Glória a Deus! Essa é exatamente a proposta do Altíssimo. “Tornar-se-ão uma só carne”. E como a carne, sendo física, não pode misturar-se, Deus só poderia estar falando desses aspectos mais profundos do ser. Santa confusão é o casamento! Bendita mistura de substâncias formando um novo ser: o casal.

Entre os casais, há diversas maneiras de expressarem seu amor. O beijo, o abraço - os mais comuns; A beliscada, a mordida - os mais atrevidos. Mas há uma maneira - que é a preferida dos pais mais zelosos pela virtude de suas filhotas - que são as mãos dadas. Enquanto o beijo é a colisão de dois desejos e o abraço o encontro de corações, é o entrelaçamento das mãos que simboliza, ao menos para mim, o que há de verdadeiro na união entre duas pessoas. No enganchar dos dedos há uma mistura visual que dá a impressão de não mais existirem duas mãos, mas um outro membro, que não mais uma mão, mas, poderíamos dizer, uma hiper mão. No casamento ocorre o mesmo: a individualidade é diluída, surgindo como que uma super individualidade. O novo ser - casal - não são dois indivíduos que se ajudam, mas é um novo indivíduo, mais forte, mais valoroso, mais humano. Talvez o super-homem nietzcheniano sempre tenha existido, apenas não captado por seu idealizador.

Nessa mistura, a fraqueza de um é compensada pela coragem do outro. A soberba de um é aliviada pela humildade do outro. A mansidão de um é equilibrada pela intempestividade do outro. A audácia de um é temperada pela prudência do outro. Por isso, acho que muitos sofrem na solidão, ainda, por estarem buscando afinidades, quando poderiam simplesmente se permitir viver a diferença que completa, os antagonismos que se equilibram, as aparentes incompatibilidades que são, na verdade, a completude do ser.

Mas como esta é a celebração, não do início de uma união, mas de sua permanência, quero compartilhar com vocês o que eu entendo sobre amor perfeito. Se perguntarmos para qualquer pessoa recém apaixonada, sobre a razão de tal paixão, as respostas não variarão muito. Percorrerão os elogios físicos, psicológicos e comportamentais. E isso é bom, mas não é perfeito. Aquelas que já vivem um relacionamento há algum tempo responderão, invariavelmente, de maneira um pouco mais abstrata, exaltando a amizade, o companheirismo e as virtudes morais do outro. Isso é muito bom, mas ainda não é perfeito. Acredito que o amor perfeito, ao ser indagado das razões de seu amor, responde em alto e bom som: “Não sei!”. Como alguém que ama seu próprio corpo, o amor perfeito talvez nem mais saiba explicar a razão desse amor, mas sabe perfeitamente que sem ele não é mais o mesmo. Ninguém, ao ser ameaçado de amputação de qualquer parte de seu corpo, passa a expor para o torturador das razões úteis ou estéticas daquele membro. Simplesmente, o horror da amputação, por si só, faz tremer todos os ossos. Saber que perderá uma parte do corpo é uma idéia aterrorizadora, por si mesma. No amor perfeito é assim: ainda que não se ache mais a razão do amor, a simples possibilidade de perder o outro é idêntica à idéia da amputação. O amor perfeito, conforme entendo, não ama mais por causa de algo, mas simplesmente ama. Como não nos amamos por causa de alguma característica em nós, mas por sermos nós. Com exceção dos que sofrem de alguma patologia mental, o homem saudável não se apaixona por suas próprias virtudes, apenas se ama por natureza. O casal que experimenta o amor perfeito se ama, não pelas virtudes próprias, mas por não poder conceber a vida sem ele mesmo. O que ao indivíduo é inconcebível - a amputação, no casal também passa a ser impensável. Para o casal que atinge o amor perfeito, separação é o mesmo que amputação.

Diante disso imaginemos que os cônjuges nunca discordam? Jamais há um conflito entre eles? Pelo contrário! Qual homem que não discute consigo mesmo? Qual pessoa que não vive a equilibrar seus conflitos? Isso é humano e isso é saudável! Triste do homem que não possui discordâncias internas, complexidades e incoerências - é um psicopata; um doente. Por isso não se iludam com a idéia do casal que não tenha esses conflitos. Eles são naturais, saudáveis e necessários. Essa dialética do casal é que o torna mais forte, renovado e aprovado. O resultado não é um casal que soma as características de dois indivíduos. É um novo ser que é mais forte que a soma dos dois, é uma fusão que dá forma há um novo ser, com características próprias, mais virtuosas, mais valorosas.

Interessante como a lei humana tenta, muitas vezes, refletir uma verdade natural. Havendo o casamento, uma das primeiras providências legais é associar o nome de um dos cônjuges ao outro. Mais comum, a mulher toma o sobrenome do marido e agrega ao seu nome. Daria eu uma sugestão: por que a lei não vai mais adiante, e para refletir bem a realidade não permite que os próprios nomes sejam misturados? Não seria interessante? Em nosso caso, o casal que aqui está, ao invés de se chamarem Fernão e Eliane, poderiam se chamar Elião e Ferliane. Perfeito! Os pais, que com tanto afeto escolheram os nomes de seus filhinhos, teriam, já aí, a certeza de que perderam suas crias para aquele estranho que não apenas raptou seu filho, mas também tomou posse de seu nome. Aí sim, estaria caracterizada, perfeitamente, também na realidade concreta, a verdade que já aconteceu na realidade espiritual.

Pois, quem conhece o casal, sabe que andam os dois verdadeiramente no mesmo espírito. E que lição é esta para a igreja! Esta, como a noiva de Cristo, é chamada para ser um com ele, vivendo em um mesmo espírito com seu esposo. E o que é isso além da mistura, pela qual a vontade de um se confunde com a vontade do outro? O Senhor nos ensina que sejamos um com ele. Como um casal que é um. Por isso quando nos deparamos com um casal que vive a unidade, podemos nos espelhar nele, não apenas como exemplo de matrimônio, mas como modelo de comunhão com Deus. Como nos dispomos a servir nossos cônjuges, assim devemos nos dispor para servir a Deus. Como nos preocupamos em agradar nossos cônjuges, assim devemos querer agradar a Deus. A fusão que é o casamento, assim seja - uma fusão, a nossa união com Cristo. Como experimentamos as delícias do casamento, assim também há eternas delícias no relacionamento com Jesus.

Bendito seja Deus, nosso mestre, que nos ensina não somente por dogmas e doutrinas, mas pela vida! Na instituição do casamento, há mais verdade do que compêndios e compêndios de teologia sistemática. Na simples celebração do tempo de união de um casal, podemos aprender muito sobre Deus.

Portanto, pastor Fernão e Eliane, compreendam isso: o exemplo de vocês extrapola a lição sobre casamento. Ele nos ensina que, se é possível uma verdadeira comunhão entre duas pessoas, muito mais é possível uma profunda comunhão com Cristo. Pois se somos imperfeitos, e, ainda assim, podemos nos manter juntos, quanto mais com Cristo, que é perfeito, amoroso e bondoso eternamente. Amém!

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Amar é Escolher

O amor humano é uma escolha. Amar tudo seria uma contradição, pois seria o mesmo que não amar. Amar é dar preferência. Alguém gostaria de ser amado na mesma medida que todo o resto? Haveria prazer em ouvir: "Te amo, da mesma forma que amo tudo"? O amor humano é uma preterição, é separar um entre todos, é escolher. Ninguém aceita que um marido ame sua esposa e seus filhos da mesma forma que ama o restante das criaturas. A própria fidelidade pressupõe a preferência. Se alguém é único para alguém é porque está acima na ordem de preferência, de amor. Isso é humano, demasiado humano! Não é possível amar tudo, e provo a quem tentar discordar de mim.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Indecisão: o medo de perder

A indecisão é o medo de perder. Quem escolhe algo, nega todo o resto. Escolha é a coragem de renunciar muitas coisas. Por isso, algumas pessoas são tão indecisas; elas têm medo do irreversível, daquilo que estão abandonando e, talvez, jamais possam recuperar. O indeciso deve amar demais a si mesmo, de tal forma que não aceita perder. Porém a vida é uma constante perda, com alguns poucos ganhos. Superar a indecisão é compreender que a escolha é o motor da existência e não escolher é, por si mesmo, uma escolha; escolha pela manutenção do que se é, abandonando o que se pode ser.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Temos apenas o agora

Um coração grato será sempre feliz. Haverá nele um eterno reconhecimento de que o que tem, ou o que é, são a medida de sua existência, gratuitamente fornecidas por Deus. Enxergará, portanto, em si mesmo, a plenitude da existência, a realização do ser.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

O Sustentador

Olha as aves do céu. Quem as sustenta? Olha as flores do campo. Quem as alimenta?[1] Por acaso elas perdem noites de sono preocupadas com o que há de acontecer amanhã? Há quem não pertence o poder de controlar as coisas, não faz sentido sofrer por elas. Acumula toda a sabedoria do mundo, junta toda a riqueza, ainda assim não poderás definir o dia que Deus pedirá tua alma[2].

segunda-feira, 26 de maio de 2008

O Fim da Lei é Cristo

Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê. Romanos 10.4

Um grande conflito há na mente de grande parte dos cristãos relativo à sua relação com o Antigo Testamento bíblico. Sentem-se eles inseguros; vacilantes na linha divisória entre a negação da prática do escrito e a aplicação irrestrita da lei mosaica. Ainda que tenham consciência que nenhuma das duas antagônicas posições pode ser irrestritamente encampada, resta-lhes a incerteza de qual é a posição correta neste assunto.

Podemos começar com a própria denominação que é dada aos pactos de Deus com o homem. A Velha e a Nova Aliança. Apenas por ela já temos uma indicação de uma separação. Se há o novo, o velho ficou para trás. Se há um novo pacto, isso significa que o pacto antigo, de alguma forma, foi substituído. Não haveria sentido em haver uma nova aliança sem a revogação da antiga. Do contrário, não seria uma nova, mas uma continuação da velha aliança. Porém, isso não resolve todo o problema, muito diferente, poderiam objetivar a possibilidade de uma nova aliança não revogar a antiga, mas, apenas, aperfeiçoá-la.

Gostaria de começar citando as palavras de Jesus Cristo, o personagem central de nossa discussão. Afinal, se há uma nova aliança, está se dá nele, a partir dele, por causa dele. Em Mateus 9.16 e 17, o mestre diz:

Ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho; porque semelhante remendo tira parte do vestido, e faz-se maior a rotura. Nem se deita vinho novo em odres velhos; do contrário se rebentam, derrama-se o vinho, e os odres se perdem; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam.


Cristo, ali, havia sido indagado do motivo de seus discípulos não jejuarem, como os de João Batista. A resposta dada por ele, no entanto, parece envolver mais do que simplesmente a questão do jejum. Jesus parece estar se referindo a um novo período na relação entre Deus e os homens. Alguma coisa estava mudando; algo na prática religiosa ao menos. Pelo menos é isso que Jesus parece dizer. Nessa passagem, claramente, ele faz referência de uma incompatibilidade ou, ao menos, inconveniência, da composição de algo novo com algo que já estava estabelecido. Segundo Ele, essa mistura não seria, no mínimo, satisfatória. Se Ele estava se referindo, exatamente, a uma nova aliança e a completa incompatibilidade com a antiga, isso vamos analisar melhor.

Aqueles que defendem que o Velho Testamento é absolutamente aplicável aos dias de hoje, apenas sendo aperfeiçoado por Jesus Cristo, costumam citar a passagem de Mateus 5.17 a 19, na qual está escrito, conforme Jesus expressou:

Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.

É compreensível, para o leitor neófito, ou ao leigo, interpretando apenas essa passagem sem atentar para todo o sistema salvífico criado por Deus, concluir que todos os preceitos e cerimoniais contidos na lei e nos profetas do Antigo Testamento (que é ao que Cristo se referia) devam ser cumpridos, ou melhor, praticados religiosamente da maneira como estão expressos. Bem, como eu disse, essa interpretação é compreensível àqueles que não possuem um conhecimento mais abrangente do plano de salvação de Deus. Porém, para aqueles que compreendem a verdade do Evangelho tal interpretação chega a beirar a apostasia.

O apóstolo Paulo, em Romanos 10.4, afirma que “...Cristo é o fim da lei para justificar a todo aquele que crê”. Considerando apenas essa passagem, parece haver um conflito evidente entre as palavras do apóstolo e a de Jesus Cristo. Aquele diz que Jesus é o fim da lei e o próprio Cristo afirma que veio cumprir a lei. Ora, como pode alguém que cumpre a lei ser, ao mesmo tempo, a abolição dessa mesma lei?

Quando Jesus fala que veio cumprir a lei isso pode estar se referindo, primeiramente, no sentido óbvio, que Ele veio cumprir os cerimoniais, os ritos e a lei do Antigo Testamento. Tal interpretação poderia ser feita, considerando que Cristo, realmente, na sua passagem terrena, como judeu que era, cumpriu muitos dos rituais religiosos previstos no Antigo Testamento. Apenas para citar: Mateus 8.4, João 7.10, Mateus 26.19. Porém, tal interpretação parece restrita demais para ser aplicada no contexto do sermão do monte, dentro do qual tais palavras foram proferidas. O ensinamento do mestre tinha a dimensão da história universal; abrangia não apenas aquele povo, mas toda a humanidade, de todos os tempos; chegava até o fim do mundo. Parece claro que Cristo estava enfatizando a eternidade das palavras do Senhor, sua aplicabilidade eterna, seu valor perene.

Uma segunda interpretação, que considero ainda mais restrita que a anterior, é que Jesus haveria dito aquilo apenas para não parecer um revolucionário, um herege. Apesar de poder haver algum conteúdo nesse sentido em suas palavras, não é este o objetivo principal delas. O que Jesus estava ali expressando era algo absolutamente verdadeiro. Era a expressão manifesta de uma realidade pura. Era o sentido de sua missão. Compreendamos!

Paulo falou que Jesus era o “fim da lei”. E que não nos percamos pela aparência da expressão. Fim, não significa, apenas, o término de algo, mas, além disso, o objetivo de alguma coisa. Por exemplo: o casamento tem o fim de unir perpetuamente duas pessoas. A finalidade do matrimônio é juntar um homem em uma mulher numa instituição familiar. Podemos dizer que esse é o seu fim, ou seja, sua finalidade. Podemos dizer, também, que determinado contrato, tem por fim a entrega de produtos a um determinado comerciante. O ato de entregar as mercadorias é o fim do contrato. Com a efetiva entrega, o contrato se resolve, não há mais razão de existir. Podemos dizer que o fim (finalidade) do contrato é a entrega, e que a ocorrência desta resulta no fim (término) do negócio jurídico. Veja como a mesma palavra ‘fim’ tem uma conotação um pouco mais ampla do que, simplesmente, a de término de algo. Numa linguagem coloquial não costumamos usar o termo ‘fim’ no sentido de finalidade, mas é um uso muito comum numa linguagem pouco mais formal.

Vamos percorrer um pouco mais pelas palavras da Bíblia para concluirmos este ponto. Gálatas 3.24 e 25 expressa:

“...a lei se tornou nosso aio, para nos conduzir a Cristo, a fim de que pela fé fôssemos justificados. Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio”.

Aio era o criado particular encarregado da educação doméstica das crianças de famílias nobres. Paulo compara a lei mosaica a este professor. E diz mais: que vindo a fé, tal professor não tem mais ascendência sobre o seu antigo aluno. Se torna evidente, portanto, que o apóstolo afirma que os que vivem sob a Nova Aliança não mais estão sujeitos aos preceitos do Velho Testamento. Usando da mesma analogia bíblica, podemos dizer que o que nos ensinou o velho professor se mantém insculpido em nossas almas, porém não possui mais qualquer valor normativo. Como a obediência a um pai. Quando criança isso não é uma escolha: obedecemos, pois somos absolutamente dependentes dele. Na fase adulta, se ainda o obedecemos, isso se dá por uma decisão livre, por uma expressão da vontade individual. Mas isso não resolve completamente o nosso problema. Se encerrássemos o estudo por aqui poderíamos concluir que antes o homem cumpria os preceitos do Velho Testamento por determinação legal e hoje deve cumprir por decisão livre. Ocorre essa não é a interpretação correta dos textos citados e não é a nossa conclusão.

Os que são das obras da lei estão debaixo de maldição[1] e por ela ninguém será justificado[2], assim afirma Paulo. Apenas essas duas afirmações já servem para concluirmos que não há salvação pela lei. Não precisamos nos alongar nisso, afinal sabemos que a salvação vem por meio de Jesus Cristo, que morreu por todos, e oferece a vida eterna a todo aquele que nele crê[3]. Para o assunto abordado aqui neste estudo gostaria de enfatizar o aspecto mandamental da lei sobre nós, os quais vivem na época da graça. Concluímos que sendo um professor em nossa infância, como humanidade, poderíamos carregar os ensinamentos da Velha Aliança conosco, mesmo que não mais sob a tutela legal desse tutor. Mas isso pode facilmente conceder a possibilidade da necessidade da prática dos ritos e cerimoniais antigos, não mais como lei, mas como escolha religiosa. É claro que essa não é a conclusão que chegamos. E isso vamos resolver agora.

Paulo afirma, categoricamente, que aquele que tenta se justificar pela lei está decaído da graça[4]. Não há dúvida que há uma inconciliação entre as duas coisas. A justificação do homem, sua salvação, apenas pode ocorrer pela graça divina manifestada em Jesus Cristo. Qual o sentido, então, de guardar algum preceito do Velho Testamento? Se ele não justifica, se ele não salva, se ele é uma maldição, por que seguiríamos seus cerimoniais? Qual a razão disso? A resposta é dada pelo próprio apóstolo que diz que toda a lei se cumpre no mandamento: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo[5]. Essa afirmação paulina se coaduna perfeitamente com aquilo que Jesus já havia dado como resposta a um doutor da lei, quando disse que os dois maiores mandamentos eram “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas forças” e “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”[6]. Não farei aqui uma ode ao amor, pois não caberia neste conciso estudo. Porém, posso dizer que tanto Jesus Cristo, como seu apóstolo resumiram a verdade do Evangelho. O que eles querem dizer é que, para aqueles que vivem o amor verdadeiro, o qual tem dentro de si diversas manifestações como obediência, fidelidade, misericórdia etc., tudo o que está contido na lei é absolutamente desnecessário, pois o próprio amor conduzirá sua vida na direção da vontade de Deus. A Bíblia indica isso:

“...o fruto do Espírito é: o amor, o gozo, a paz, a longanimidade, a benignidade, a bondade, a fidelidade, a mansidão, o domínio próprio; contra estas coisas não há lei” (Gálatas 5.22-23) - (grifo meu).

Em Jesus Cristo foi inaugurada uma era absolutamente nova. Aquilo que era preceito legal, cumprido apenas por causa da coação penal, agora deveria ser cumprido observando a essência do que nela estava contida - o espírito da lei. O espírito da lei mosaica (sua essência) era ensinar os homens sobre Jesus Cristo, prepará-los para sua vinda, fazê-los compreender o plano de salvação. Até a vinda de Cristo, a lei nos ensinava sobre ele, após sua vinda, para que ela serviria? Se o espírito da lei (sua essência) é Jesus Cristo, sendo ele manifestado, é ele a quem devemos agora obediência, não mais à lei. A letra mata, mas o espírito vivifica[7]. Se obedecemos a lei, olhando apenas sua forma externa, estamos condenados; porém, se compreendemos sua essência (espírito) e vemos nela Jesus Cristo, somo justificados. O Velho Testamento é como o contrato firmado que tem por fim (finalidade) ensinar sobre o Messias. Aparecendo esse Messias, o contrato se resolve, não mais tendo utilidade, sendo apenas um registro, uma memória, uma prova. Resumindo: o amor é o cumprimento da lei[8].

Agora, essa ausência de lei não significa a completa libertinagem dos costumes. Aliás, o apóstolo Paulo precisou explicar isso em suas cartas. O ser humano tem muita dificuldade em compreender o império do amor. Não entende como Jesus pode ter enfatizado um reino que não tivesse regras a serem seguidas. O homem não consegue separar religião de regras, de imposições. Isso porque não compreende que na prática do amor verdadeiro reside um completo entendimento da vontade de Deus. Apenas no amor há obediência sincera, só no amor há santidade, nele apenas há fidelidade, somente nele se encontra humildade. A verdadeira religião é amar a Deus e aos homens e quem no amor vive não precisa ser julgado por lei alguma, afinal seus atos serão mais virtuosos, mais corretos e mais preciosos do que qualquer ordenamento legal pode prever. Não é o império dos sentidos e da vontade, é o império do amor. Não é relatividade da moral, mas a moral perfeita. Não é a anarquia, mas o governo de Cristo sobre nós. A lei existe para ordenar e pacificar os homens[9], mas se esses homens já estão ordenados pela força do amor de Deus, se já estão pacificados pela consciência de Cristo, que lei pode ser tão perfeita que ainda precise ser promulgada para eles?

Com esse entendimento podemos, agora, conciliar o que vimos no início deste estudo. Se Jesus veio cumprir a lei, o fez isso sendo ele mesmo o Messias. Se a lei, em tudo, apontava para Ele e preparava o povo para a sua vinda, Ele era o cumprimento dessa mesma lei. Não o que Ele fizesse ou praticasse, mas Ele mesmo, sua figura humana e divina que era o Messias esperado e profetizado pela lei e pelos profetas. Assim, era Ele o fim da lei. Finalidade única de todo o arcabouço de normas, ritos e cerimônias dadas no Velho Testamento. Nele se cumpre todo o prometido e esperado, finaliza o logro da lei. Dessa forma, da lei nada mais resta, a não ser o exemplo e a prova do pacto que se cumpriu.

Falando diretamente do Velho Testamento, podemos enxergá-lo como prova das coisas que haviam de vir e outras que ainda virão; instrumento do conhecimento da personalidade divina, naquilo que Deus se Deixou revelar; compreensão de uma moral eterna, imutável, que permanece no tempo[10]; preparação para a compreensão da vinda de Cristo, afinal, sem o Velho Testamento, o Novo Testamento é incompreensível; e, por fim, o registro da história humana em sua relação com Deus.

Gostaria de terminar este estudo transcrevendo um artigo meu chamado - O Governo do Símbolo e o Reino do Espírito, o qual fala sobre essa relação entre o Velho e o Novo Testamento:

O cristianismo é a religião do sentido real das coisas, e não da aparência. A Lei Mosaica era apenas o simbolismo do real[11]. Em Jesus, o real se manifesta por inteiro, sem mais a simbologia. Ora, para o homem que tem o encontro com o real, não convém regredir à aparência, não faz sentido. Enquanto o real é o reino do espírito, a aparência é o governo do símbolo, necessário como instrutor para o que havia de vir, mas sem mais função quando o que ele apontava se manifesta. Para o homem espiritual, que teve a seu favor o véu de acesso a Deus rasgado para todo sempre, o ritual é inócuo. Se ele ainda o pratica, só pode ser para a satisfação da carne mesmo[12], já que, espiritualmente, não possui mais efeito algum. Até parecem piedosos, mas não servem para nada!Hoje, se nos relacionamos com Deus, não mais é por meio dos símbolos que, de maneira incompleta, representavam a divindade. Esta relação é direta – espírito com Espírito. Então, e isso Paulo tenta alertar, não devemos aceitar o jugo da estética. O reino de Jesus não é estético, é conceitual (realístico).Santidade, obediência, pureza, amor, sabedoria não se encaixam no conceito de rituais simbológicos representativos do real. São princípios e virtudes reais mesmo. Não é possível ser santo apenas em aparência, nem sábio. Ou é ou não é. A aparência é do ritual, que pode tentar representar o real, mas nunca será o real. Então, quando Paulo fala que essas coisas possuem até aparência de virtude, ele está afirmando que jamais essas coisas serão virtude.
Até hoje as pessoas têm dificuldade de compreender isso. Como não se sentem capacitadas de alcançar a realidade, preferem manter-se na aparência. Até porque a aparência não pode ser julgada, por não possuir valor moral. Sendo apenas uma representação, a virtude que ela simboliza é que é passível de julgamento. Mantendo-se apenas no rito, o homem tenta, talvez inconscientemente, se eximir de responsabilidade. Ao ser retirado da segurança do ritual, o homem é desnudado por completo. E o que sobra? Sua essência. Aí, não adianta se contentar em parecer piedoso, é necessário o ser, de verdade”.


[1] Gálatas 3.10
[2] Gálatas 2.16
[3] João 3.16
[4] Gálatas 5.4
[5] Gálatas 5.14
[6] Mateus 22.36-40
[7] 2ª Coríntios 3.6
[8] Romanos 13.10
[9] 1ª Timóteo 1.8-10
[10] As leis morais de Deus não mudaram. O que Deus condenava antes continua condenando hoje. Porém, não podemos confundir os preceitos morais com as penas determinadas no Antigo Testamento. A execução da pena pode variar no tempo, devido às peculiaridades de cada época, o que não afeta em nada à compreensão da eternidade da moral divina.
[11] Hebreus 10.1
[12] Colossenses 2.16-23

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Seré que vale à pena?

Quantas vezes perguntei: Será que vale à pena?

Pai de família eu sou
Pai de duas lindas criaturas
Uma esposa que sempre me amou
Mesmo nas horas mais escuras

Nós, que por Jesus deixamos tudo
Pela própria família renegados
Como loucos, como o absurdo
Por todos fomos margializados

Sofremos por Jesus
e tantas vezes perguntei - será que vale à pena?

Como ovelhas levadas ao matadouro
Todos os dias éramos vilipendiados
Tentavam assim dizimar nosso tesouro
Que era a alegria de estarmos lado a lado

Éramos escarnecidos, insultados
Até por amigos agredidos
E tudo, em tudo aviltados
Ainda assim não nos sentíamos perdidos

Quantos perigos passamos por Jesus
e tantas vezes perguntei - será que vale à pena?

Quantas vezes escondemos quem éramos
Sem nunca negar a Cristo, tantas vezes fomos questionados
Sem blasfemar, em silêncio nos puséramos
Sabendo que um dia seríamos condenados

Quantos medos passamos por causa de Jesus
e tantas vezes perguntei - será que vale à pena?

Um dia invadiram meu próprio lar
Taparam a boca de meus próprios filhos
Ameaçando minha esposa - meu par
Me levaram como a um frágil novilho

Como um cão fui amarrado
Pela rua, em vergonha, arrastado
Como um criminoso fui calado
Como fezes evacuado

Quanta vergonha passei por causa de Jesus
e tantas vezes perguntei - será que vale à pena?

O que agora meus filhos pensam?
Que seu pai é um fraco?
Que é uma réstia que dispensam
Que é um bandido encarcerado?

Talvez pensem que sou um mentiroso?
Pois olhando em seus olhos prometi defendê-los
Prometi amá-los e ser corajoso
Não deixando que nada de mal pudesse tê-los

Mas como um inútil, nada pude fazer
Apenas ao que indagavam seus olhos notei
O que é isso papai? O que vai acontecer
Não pude nem mesmo falar - não sei!

Ai, como dói em meu peito nisso pensar!
Onde estão, o que lhes aconteceu?
Ai, seu pudesse ao menos lhes falar
Diria: O papai ainda não morreu

Quanta dor passei por causa de Jesus
e tantas vezes perguntei - será que vale à pena?

Fui então jogado como um vadio
Encarcerado como um selvagem
Abandonado num chão frio
Posto assim, à margem

Nenhum milagre, nem consolação
Nenhuma palavra, nenhuma visão
Restou apenas essa imensa solidão
E a incerteza de um abandonado coração

Quanta tristeza passei por causa de Jesus
e tantas vezes perguntei - será que vale à pena?

Será que vale à pena?

O que me restava neste úmido buraco a fazer
Já que nada tinha a me ocupar
Se não havia no que me entreter
Só me restava dormir e tentar sonhar

...

Quem és tu que me apareces neste sonho
Que trazes nas mãos um livro desembainhado como uma espada
Que visitas este homem tristonho
Este que teve a alma açoitada

És tu então a esperança
Enviada de Deus pra me falar
Tu és a mão Dele que me alcança
Tu és Sua voz pra me consolar

Então digas, digas o que tens
O que pode fazer me levantar
Aqui só há feridas
Não vejo nada a me animar

...

Ainda que meus olhos não vejam
Sei que não me abandonas jamais
Mesmo quando minhas pernas fraquejam
Sei que estou onde tu estás

Me mostras uma linda cidade
Com ruas de ouro, de um brilho esfuziante
E o que vejo em todos é a mais profunda irmandade
E uma alegria que é desconcertante

Ali as lágrimas não mais existem
Ao menos não aquelas de tristeza
Nem as vãs preocupações persistem
Pois ali a felicidade é uma certeza

Mas, ó esperança, o que tu me trazes
Para que eu aguarde firme até aquele dia
Que consolação é esta que me fazes
Ao mostrar o que neste livro havia

O que vejo aqui me fortalece
O que aqui contém me reanima
O meu coração agora reaquece
Meus olhos então olham pra cima

São os nomes de todos os meus irmãos do mundo
Que clamam pela minha condição
Que com o seu amor mais profundo
Por mim dedicam sua oração

Ó livro bendito que me mostras seu teor
Sem ele não sei se suportaria
Mas agora sabendo que de tão longe há tanto amor
Até mesmo minha vida eu daria

A dor que eu sinto não quero pra ninguém
Os temores são a minha companhia
Mas com tanta gente que por mim intervém
Até a morte agora eu seguiria

Bendita esperança que viestes assim
Com nomes escritos no livro inteiro
Retorna àqueles que trouxestes pra mim
E lhes agradeça
por orarem sem fim
E ainda lhes diga
que ao fazerem assim
Se tornam, enfim
Embaixadores do Reino

Ó, tantas lutas que passei por Jesus
e tantas vezes perguntei - será que vale à pena?
Ao ver seu nomes escritos neste livro
Eu disse vale - pois toda dor se tornou pequena



Homenagem aos heróis da igreja perseguida e àqueles que intercedem por eles.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Somos sós

Importa que compreendais quando digo: somos sós. Nascemos sós, morremos sós. Essa é uma verdade evidente, e quem a pode negar? Isso tornou-se absoluto com a queda do primeiro homem, pois afastou o Criador de nossa companhia. Aquele que era o nosso companheiro não pôde mais estar ao nosso lado, pois Sua santidade era demasiada para comungar com nossa corrupção.