segunda-feira, 16 de julho de 2007

Perdão e Arrependimento

Todos sabemos o que Jesus nos ensinou a respeito do perdão (Mateus 18). Cristo intruiu-nos a perdoar infinitamente. Na oração dominical chegou a vincular o perdão que praticamos ao perdão de Deus em relação a nós. Quanto a isso não há dúvida. O questionamento que veio à minha mente era mais específico: seria possível praticar o perdão independentemente do arrependimento ou a este estaria necessariamente vinculado? Se correta a última hipótese, o perdão infinito não deixaria de existir, mas seria sempre dependente de um ato anterior do sujeito faltoso.

Por toda a Bíblia, Deus parece vincular o perdão ao arrependimento. Não vemos Ele perdoando ninguém sem que haja um prévio arrependimento do indivíduo. O Senhor parece sempre condicionar uma coisa à outra. Por causa disso, em minha mente sempre pareceu evidente que não poderíamos falar de perdão, sem considerarmos o necessário arrependimento. Sem este, considerava aquele prejudicado, sem efeito, inexistente.

Durante três dias, o presente questionamento não abandonou a minha mente, e passei a meditar com profundidade sobre o assunto, tentando encontrar a explicação lógica para a minha tese: o perdão está sempre vinculado ao arrependimento e apenas pode existir aquele se existir este.

Passo então a compartilhar a minha investigação e, a final, conclusão sobre o assunto.

Perdão tem o significado de remissão ou indulto. Ainda que sejam tecnicamente diferentes, formalmente produzem o mesmo efeito, a saber, a não aplicação de uma pena. Portanto, perdão é exatamente isto. Ora, situando-se no momento determinado, devemos considerar que para a aplicação do perdão (ou não aplicação da pena) houve todo um procedimento que culminou neste instante. Até a pena precisou haver um ato faltoso, um julgamento, uma condenação e uma determinação de pena. Sem estas etapas, não é possível chegar à remissão. Esta necessita daquelas, invariavelmente. Em síntese, perdão é uma das fases do procedimento que se abre com a falta do sujeito. Apesar dessa ser uma explicação jurídica, é o que acontece até mesmo nos atos mais ordinários. Mesmo nas faltas menos graves, o sujeito agredido julga o ato, condena-o e determina a pena para ele. Por exemplo: imagine alguém que fala mal de você para outra pessoa. Isso lhe magoa e você decide que não vai mais se relacionar com ela. Num caso comezinho como este, podemos vislumbrar todo o procedimento citado anteriormente. A injúria é a falta, a análise dos fatos é o julgamento, a mágoa seria a condenação (sentença que afirma que o réu é culpado), a decisão de não mais se relacionar com a pessoa seria a pena e o ato de não se relacionar mais com ela a aplicação da pena. No caso de você resolver perdoar essa pessoa, isto seria a não aplicação da última fase desse processo, ou seja, apesar de tudo, você mantém o relacionamento com a pessoa.

Perdão é isso. Veja bem que ao não aplicar a pena, que de certo modo seria um direito do agredido, ele toma uma decisão espontânea e irrevogável. Isto é o que poderíamos comparar com o esquecimento. Dizemos que quando alguém perdoa, se esse perdão for sincero, deve esquecer o que aconteceu. Sabendo que esquecer, de fato, é impossível, pois a memória é irremovível, apenas podemos entender esse esquecimento como o ato de não relevar mais o ocorrido. Sendo o perdão a supressão da aplicação da pena, vemos que é exatamente o que ocorre. Não é uma absolvição, pois houve um julgamento e uma condenação. Se a pessoa agredida absolver o faltoso, o perdão torna-se desnecessário, por falta de objeto. A absolvição declara que o faltoso, na verdade, não cometeu falta alguma e, portanto, não é passível de correção. No perdão, de maneira diferente, há o reconhecimento da falta, por parte do agredido, deixando este, apenas, de aplicar a devida pena.

Diante disso, e agora voltando a minha especulação inicial, percebi, de maneira clara, que, ao menos formalmente, não havia obstáculo à aplicação do perdão sem um anterior arrependimento. Sendo apenas a supressão da pena, ainda que não haja o arrependimento, as fases formais do procedimento ocorreriam (falta, julgamento, condenação e pena). Nada exige, pelo menos formalmente, que para a aplicação da remissão ou do indulto haja uma contrapartida por parte do agressor. Perdão é graça e pode ou não exigir o arrependimento. Essa exigência pode até existir, se o agredido assim desejar, mas não é uma obrigatoriedade formal. Tanto pode existir o perdão com a contrapartida do arrependimento como o perdão gracioso.

Mas, indo além do aspecto formal, ainda é necessário ultrapassar eventuais exigências morais e éticas. Algo pode ser formalmente plausível, mas ferir princípios morais e éticos determinados. Eu precisaria investigar um pouco mais para concluir sobre isso.

A Bíblia parece nos indicar exatamente assim: o perdão é concedido apenas àqueles que se arrependem, sendo, dessa forma, uma exigência bíblica a ser, desta maneira, praticada. Ora, se Deus assim faz, e sendo Ele o exemplo perfeito de todas as coisas, deveria eu agir de maneira idêntica. Porém, um dos argumentos mais comuns, em objeção, é que Deus, na verdade, disponibilizou o perdão a toda humanidade, sendo que aquele apenas se torna eficaz para aqueles que o aceitam. No entanto, este é um argumento frágil, porque não é a aceitação do perdão que o tornaria eficaz, mas o arrependimento mesmo. De qualquer forma, o padrão de Deus é muito superior ao nosso, posto ser Ele o Ser perfeito e infinito, inclusive em seus atributos de pureza e santidade. Portanto, a vinculação do arrependimento ao seu perdão é mais uma questão de natureza do que de princípio. Assim precisa ser, para que possa haver comunhão entre o homem, com o seu pecado, e Deus. O arrependimento torna o homem puro, ao menos formalmente, por meio de uma declaração de Deus, e permite sua comunhão com o inefável. Além disso, nem todos os padrões de Deus podem ser imitados pelo homem, posto serem seres de naturezas diversas. Por exemplo, ninguém pode ver a Deus, pessoalmente, algo que obviamente não ocorre com os homens. Deus, em sua soberania, já promoveu destruição de inimigos, o que não é correto para nenhum ser humano fazer. Portanto, os princípios de Deus, para Ele mesmo, não são iguais dos dEle para o homem.

Mas o problema não está de todo resolvido. Uma pergunta se pôs diante de mim: o perdão sem o devido arrependimento não seria uma promoção da injustiça? Ora, a justiça é um princípio inalienável, e nenhum ato que se considere cristão pode ser contrário a ela. Porém, devemos pensar o seguinte: considerando que o perdão pressupõe as quatro fases do procedimento (falta, julgamento, condenação e pena), não haveria, portanto, qualquer injustiça. Não nos esqueçamos, como já dito, que perdão não é absolvição, mas supressão da aplicação da pena. Ora, sendo assim, o perdão pressupõe a condenação, ou seja, a aplicação da justiça. Perdão é um ato de graça, que não suprime a justiça, mas concede a remissão. É claro que apenas podemos falar de concessão de perdão pela pessoa agredida. Apenas ela tem o poder de conceder tal graça. Não é possível conceder remissão em relação a direitos alheios. Com isso, a justiça é plenamente realizável e a graça não a afeta, de maneira alguma.

Por fim, era necessário conciliar apenas mais uma coisa. Lembremos da passagem (Mateus 18) na qual Jesus orienta a, no caso de um irmão pecar, repreende-lo em particular, depois, não havendo arrependimento, junto a algumas testemunhas, e, com a insistência no erro, perante a igreja, mantendo-se ainda na falta, afastando-o do meio da comunidade. Tal atitude parece contrariar o ensinamento anterior, segundo o qual deveríamos perdoar infinitamente. Mas precisamos entender a situação. Não vejo correto o argumento que diz que, neste caso, está havendo um pecado continuado, e por isso não cabe perdão. Perdão infinito é perdão infinito, não havendo Jesus levantado qualquer limitação. Outro argumento que não concordo é que, neste caso, o ferido não é o indivíduo, mas a comunidade. No entanto, os princípios que guiam o indivíduo também devem guiar a comunidade, sendo esta a multiplicidade daqueles. Só me resta, então, entender que o presente caso refere-se a uma exceção. É isso mesmo! Uma exceção ao princípio de perdoar infinitamente. Isso não é uma novidade. Por exemplo, a verdade é um princípio cristão, porém, pode haver casos que a mentira torna-se necessária na defesa de um bem maior. Como exemplo, podemos citar o caso das parteiras em Êxodo 1. Elas mentiram para o rei do Egito, em relação ao nascimento dos filhos das hebréias. Ainda assim, A Bíblia diz que ‘Deus fez bem a elas’. Neste caso, a exceção ao princípio geral torna-se lícito por defender um bem maior: a vida. Entre a defesa de um princípio e a defesa da vida, esta possui supremacia indubitável. No caso do ensinamento de Jesus, há duas opções para a igreja: manter o pecador na comunidade, e prejudicar ainda mais a vida do próprio pecador, como do restante da comunidade, ou retirá-lo do meio e prejudicar (ou até ajudar) apenas a vida dele. Entre um bem menor: uma vida e um maior: várias vidas, escolhe-se a defesa do segundo. Uma exceção apenas confirma a regra. E olhe que a atitude deve ser tomada após a insistente tentativa de reconciliação do faltoso.

Diante tudo isso, conclui que é plenamente possível cumprirmos o ensinamento de Cristo. Independente do arrependimento alheio, podemos praticar o perdão como um princípio e uma graça. Não há obstáculos formais para isso e não promove a injustiça.


p.s: ainda, observo que o perdão é de suma importância e não deve ser aplicado de maneira generalizada e sem critério. Explico: há uma onda, nas igrejas, da ‘liberação do perdão’. Ensinam que devemos ‘liberar’ o perdão a todos e nos conciliarmos com as pessoas. Parece, ao menos para mim, que, apesar da boa intenção, falta, nesse ensinamento, um pouco de discernimento. O perdão pressupõe, como já vimos, uma condenação. Perdoamos as pessoas que consideramos que cometeram uma falta contra nós. Não existe perdão sem falta. Ao aplicar o perdão indiscriminadamente, subentendemos que ocorreram faltas indiscriminadas também. A cada perdão uma condenação, a cada remissão uma falta. O perdão é algo sério e precioso, aplicado às pessoas que temos a certeza que cometeram uma falta contra nós. Deve ser aplicado com critério e cuidado, sob pena de transformá-lo em mais uma atitude vazia de significado, perdendo, assim, seu valor e grandeza.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Humanos, Humanistas e Charlatões

Jesus Cristo combateu, de maneira veemente, os religiosos de sua época. Acusou-os de hipocrisia, falsidade, mentira e avareza. Denunciou a manipulação que eles faziam do povo e chegou a virar suas bancas de vendas, dentro do próprio templo.

A religiosidade, da forma como os fariseus a praticavam, evidencia o apego humano aos dogmas e às tradições, o que condiciona as pessoas a valorizarem mais os padrões impostos por homens do que o próprio Deus, para o qual o ser humano deveria direcionar sua vida por meio da religião (religare).

Propagado o cristianismo, não como uma instituição sedimentada, mas como uma revelação disseminada às custas do amor dos discípulos de Cristo, tornou-se, então, por conta de circunstâncias históricas, a religião oficial do Estado. Com isso, e sem demora, dogmas e tradições foram sendo inseridos ao contexto religioso, e as mazelas e incoerências, perceptíveis nos fariseus do tempo de Jesus, voltaram a aparecer.

A Reforma Protestante (desculpem a absurda síntese histórica), no século XVI, trouxe, em alguns aspectos, de volta, conceitos da verdadeira religião, porém, o tempo revigorou a institucionalização também desta nova religião, tornando-a, da mesma forma, um arcabouço de regras e tradições que, ainda que em proporção infinitamente inferiores às do Catolicismo, causam, do mesmo jeito, em seus adeptos, o apego às doutrinas e às tradições, ainda que estas sejam, muitas vezes, diversas dos próprios ensinamentos bíblicos.

Sempre existiu, em meio à história eclesiástica e das religiões, os seus contestadores, reformadores e críticos. Não apenas os 'de fora', mas, principalmente, no próprio seio da Igreja, existiram homens que, por meio de seus escritos e pregações, tentaram resgatar a religião aos seus princípios originais, ao seu objetivo inerente (conduzir ou religar o homem a Deus).

Isso aconteceu em todas as épocas e, creio eu, em todas as religiões. No cristianismo, sem dúvida. Concordando ou não com eles, homens como Erasmo ou Lutero (citando apenas pequeno, mas fervilhante, período da história eclesiástica) romperam com tradições (não todas), com idéias sedimentadas e atacaram aquilo que eles consideravam como feridas no meio da religião. Não se pode dizer que tudo o que eles disseram era correto e justo, mas, é evidente, que em muita coisa eles tinham razão.

Dando um salto para os dias de hoje, vemos, ainda, a religião sofrendo com os mesmos problemas de sempre: hipocrisia, mentiras, manipulação, dogmas em exagero e sem qualquer fundamentação bíblica, além da promiscuidade com o dinheiro e com o poder.

Diante disso, como sempre há de ser, surgem, dentro da própria religião, os arautos da renovação, da reforma, ou, até mesmo, da cisão fundamentada e legítima. Estes são homens que, já com alguma experiência no manejar eclesiástico, percebem, não do dia para a noite, que as mazelas da instituição, da qual fazem parte, são grandes e precisam ser combatidas.

Considero que tais movimentos, organizados ou não, são justos. Primeiro porque essa dialética é sempre saudável; segundo, porque, como defendo ardentemente, a liberdade de expressar o pensamento é um direito (mais: é absolutamente natural) de todo ser humano.

No entanto, que não seja uma via de mão única. A possibilidade de contestação sempre existe, e é salutar. E dentro dessa disputa (pacífica ou nem tanto) há, além dos argumentos, as tendências pessoais, as idiossincrasias e os interesses, é claro.

Falando desses contestadores modernos, percebe-se, claramente, uma tentativa de promover uma apologia à humanidade. Como se fosse uma redescoberta da percepção do caráter humano, de sua natureza e realidade. Com isso, acreditam reavivar um relacionamento mais sincero com o Criador. Conhecendo e vivenciando sua verdadeira natureza, o homem, segundo interpreto de suas argumentações, é mais capaz de manter um relacionamento sincero e verdadeiro com Deus.

Inescapável é esta verdade. Um relacionamento verdadeiro só é possível quando as partes envolvidas são reais, não apenas existencialmente, mas em compreensão própria e intenções transparentes. Como para Deus é impossível qualquer vacilo em relação a si mesmo, cabe ao homem compreender-se, aceitar-se e escrutar seu próprio ser, na tentativa do encontro da verdade, do real.

Porém, se até aqui, teoricamente ao menos, concordo com tais proposições, começo a torcer o nariz quando mergulho um pouco mais fundo, até a materialização da beleza da teoria na prática vivencial.

Na ânsia de promover a humanidade, o que estou começando a perceber nestes contestadores da religiosidade vazia e maculada é a radicalização humanista. Sendo o homem a referência, todo o restante: religião, Bíblia e até Deus, acabam por precisarem ser moldados a esta nova visão.

Na prática, o que é esta nova (ou velha, dependendo da intenção) forma de relacionar-se com Deus? Conhecendo o homem a si mesmo, aceitando suas mazelas e fraquezas, compreende que, para ele, é impossível 'alcançar' Deus por meio de seus méritos. Concordo, e já escrevi um texto que fala sobre isso (O Abismo). No entanto, um dos pilares desta nova retórica é a crítica à busca, irreal e desmedida, da pureza (santidade). Não vou ser injusto, não chegam a criticar a santidade em si, mas a busca desmedida, irreal e, muitas vezes hipócrita, de uma pureza que atrairia o amor de Deus e, conseqüentemente, suas dádivas. Porém, ainda que o princípio do pensamento seja irretocável, o fim deste rio de argumentos deságua na completa negação da santidade. Tal palavra passou a ser, para eles, quase sinônimo de hipocrisia.

Em sua teologia, ou interpretação da realidade, como queiram, entendem que Deus nos fez assim, e devemos nos aceitar como somos: sem culpas desmedidas e auto-condenações. E mais, se Deus nos fez assim, é para que vivenciemos esta realidade, esta natureza, de maneira plena.

Para mim, ao menos, isto me parece um canto de sereia, que seduz, agrada e convida aos seus braços, mas, no fim, acaba por nos afogar nas águas do pecado. Digo isso, pois me vi sendo seduzido por tais argumentos e caminhando, assim, para este humanismo religioso.

O que me fez desvencilhar dos braços da sereia foi (creio que por obra do Espírito Santo) a percepção de duas coisas:

Primeiro: a Bíblia não pode moldar-se a minha visão de mundo, e menos à minha humanidade absolutamente falível. Pelo contrário, devo eu me envolver em suas verdade e deixar que ela indique quem eu sou, como devo viver e como me relacionar com Deus. Diante disso, ainda que concorde que esse relacionamento só é possível por meio de uma sinceridade absoluta, e de uma compreensão abrangente de quem eu sou, não posso negar algumas verdades e princípios que a Palavra de Deus me coloca claramente: 'negue-se a si mesmo', carregue a sua cruz', 'sede santos'. Tais conselhos (veja que não os coloquei como mandamentos) são indubitáveis em seu objetivo. Negar a si mesmo só pode ser negar a sua realidade, sua maneira de pensar, seus valores e, de alguma forma, sua humanidade pecaminosa. Negar, aqui, não é desconhecer o que se é, mas não concordar consigo, à maneira de Paulo: 'aquilo que quero não faço, mas aquilo que não quero, isso faço'. Carregar a cruz é submeter-se às dificuldades das escolhas cristãs, com suas privações, sim, com suas rejeições e, até mesmo, sacrifícios (outra palavrinha mal interpretada). Ser santo é purificar-se, ou seja, viver de maneira cada vez menos pecaminosa. Por mais que se dêem outras interpretações à santidade, e é verdade que elas existem, neste caso se trata disso mesmo. Esta análise foi o que começou a me despertar para a desconfiança em relação a este nova retórica.

Porém, o que me despertou de vez, com de um sobressalto, foi perceber que os argumentos desses novos pregadores são idênticos, em sua base de sustentação, àqueles pregados em igrejas como a Universal do Reino de Deus e, também, na mídia secular. Vejamos:

Estava assistindo a um programa da Igreja Universal, o qual fora iniciado com um clipe musical, com uma música pretensamente gospel, no qual passava cenas de pessoas desfrutando seus bens de consumo. Eram mansões, carros de luxo, barcos e tudo o que o dinheiro (e só muito dinheiro) pode comprar. Entrando em cena, então, o bispo da igreja (um bem conhecido, porém não lembro de seu nome), suas palavras foram certeiras: "Está vendo tudo isso meu irmão! Você pode ter tudo isso. Se Deus te colocou neste mundo é para usufruir dessas coisas. Isso é pra você!".

Qual a semelhança com o discurso daqueles outros pastores? Está na base do pensamento: se Deus te fez assim, é para ser assim. Que fique claro, não estou comparando intenções, longe disso. Nem mesmo igualando os discursos. Apenas estou me referindo à sustentação dos argumentos apresentados. Ambos se baseiam na mesma idéia: o homem como a medida das coisas.

Eu poderia citar uma frase do Rubem Alves, por exemplo: "Se Deus não nos tivesse criado para o prazer, Ele (ou Ela) não nos teria dado tantos brinquedos para o corpo, como os gostos, os sons, as cores, as formas, os cheiros, as carícias, e não teria dotado o corpo de tantos órgãos eróticos - no ('Teologia do Cotidiano')". O ser humano aqui é a referência para a moral sexual e não a Palavra de Deus. Não sendo um moralista na área da sexualidade (quem me conhece sabe disso), frases como esta são o convite a todo tipo de perversão, inclusive sexual. Ora, se a moral é medida pelo corpo e seus sentidos, qual a limitação, então? E mais perigoso, é como pode se estender isso a outras áreas da vida, possibilitando a quebra de toda regra moral, sendo esta apenas medida pelas sensações individuais, e não mais por critérios objetivos e definidos. Tratando-se de Rubem Alves, a gente sabe no que deu.

E o pior é que essa visão contemporânea está sendo compartilhada, num coro em uníssono, por vozes que, de cristãs, não possuem nem o calendário pendurado na geladeira.

Um exemplo é a música, de autoria de Paulinho Moska e Zélia Duncan, de abertura da novela das sete - Sete Pecados, da rede Globo, da qual, transcrevo a letra:

A alegria do pecado
Às vezes toma conta de mim
E é tão bom não ser divina
Me cobrir de humanidade me fascina
E me aproxima do céu

E eu gosto
De estar na terra
Cada vez mais
Minha boca se abre e espera
O direito ainda que profano
Do mundo ser sempre mais humano

Pois Perfeição demais
Me agita os instintos
Quem se diz muito perfeito
Na certa encontrou um jeito insosso
Pra não ser de carne e osso
Pra não ser carne e osso

Alguma semelhança no discurso? ‘Me cobrir de humanidade (...) me aproxima do céu’; ‘O direito, ainda que profano, do mundo ser sempre mais humano’; ‘perfeição demais’; ‘quem se diz muito perfeito’. São as mesmas palavras, numa identidade harmoniosa e espantosa. Parece que todos caminham numa mesma direção...

Mentiras satânicas têm envolvido às igrejas e seus fiéis, num emaranhado ideológico sutil. Suprimindo toda a objetividade e certeza, preferem implodir todo e qualquer edifício construído à custa de muita meditação, debates e, até sangue, ao invés de, como um humilde pedreiro, aproveitar aquilo que resiste ao tempo, por ser sólido e bem planejado.

Com a desculpa da busca pelo relacionamento sincero, rejeitam diversas certezas bíblicas, relativizam princípios e moral e renegam conquistas históricas. Creio que muitos são sinceros nesta busca, e caminham assim por também terem sido envolvidos nesta retórica que iniciou-se, falando apenas de nossos contemporâneos, já há algumas décadas.

Mas no fim, percebo que junto aos humanos e humanistas, sobrevivem os charlatões, todos cantando em alta voz o canto da sereia, que seduz, hipnotiza e, se eu estiver certo, terminará por afundar os nossos barcos nos rochedos do relativismo universal.
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